Prof.ª Maria Luiza Redentora:

"...Mesmo que para isso tenha que dar minha cara a tapa, e lançar-me na guerra sem armadura,
vou peitar isso tudo mesmo que fique aqui só e insegura..."

domingo, 25 de outubro de 2009

Amor — pois que é palavra essencial

"O beijo - Gustav Klimt"


Amor — pois que é palavra essencial
comece esta canção e toda a envolva.
Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,
reúna alma e desejo, membro de vulva.

Quem ousará dizer que ele é só alma?
Quem não sente no corpo a alma expandir-se
até desabrochar em puro grito
de orgasmo, num instante de infinito?

O corpo noutro corpo entrelaçado,
fundido, dissolvido, volta à origem
dos seres, que Platão viu completados:
é um, perfeito em dois; são dois em um.

Integração na cama ou já no cosmo?
Onde termina o quarto e chega aos astros?
Que força em nossos flancos nos transporta
a essa extrema região, etérea, eterna?

Ao delicioso toque do clitóris,
já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram.

Vai a penetração rompendo nuvens
e devassando sóis tão fulgurantes
que nunca a vista humana os suportara,
mas, varado de luz, o coito segue.

E prossegue e se espraia de tal sorte
que, além de nós, além da própria vida,
como activa abstracção que se faz carne,
a ideia de gozar está gozando.

E num sofrer de gozo entre palavras,
menos que isto, sons, arquejos, ais,
um só espasmo em nós atinge o clímax:
é quando o amor morre de amor, divino.

Quantas vezes morremos um no outro,
no húmido subterrâneo da vagina,
nessa morte mais suave do que o sono:
a pausa dos sentidos, satisfeita.

Então a paz se instaura. A paz dos deuses,
estendidos na cama, quais estátuas
vestidas de suor, agradecendo
o que a um deus acrescenta o amor terrestre.

"Carlos Drummond de Andrade - em o Amor Natural"

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Sobre como eu parei de me preocupar e passei a amar a bomba

"Little Boy" - Explodiu em Hiroxima em 06 de Agosto de 1945

Texto de abertura de um exercício cênico:

- Minha apresentação é sobre a guerra, mas neste prólogo eu quero falar sobre paz. A Paz. É difícil mesmo pra mim falar sobre isso. Não sei se sou muito fraco ou sensível, mas só de ler ou assistir documentários sobre as guerras passadas, sobretudo as duas grandes guerras, fico acabado. Completamente dilacerado. Céus! Desde sempre houve guerras. É sempre a lei do mais forte. E dane-se os escrúpulos, dane-se tudo, as famílias, as crianças, foda-se, foda -se, foda-se, foda-se... Será possível que não podemos viver numa boa, viver em paz. De onde vem esse impulso de olhar para o outro e dizer “foda-se eu vou te matar, não me importa, eu quero o que é seu!”. Já passamos por tantas coisas e continuamos a fazer isso. É tão mais fácil simplesmente discordar, mas, sei lá, apertar as mãos e você pra um lado, eu pro outro. Vamo... fazer arte , educar as crianças, pesquisar a cura do câncer, mas meu, pra que ficar achando jeito de matar mais , de matar mais fácil, mais rápido. Gente, eu to cansado de tudo isso. Não aguento mais. Não aguento mais. Gente, não dá. Não é certo. Não é justo. Não é possível que ninguém faça nada. Porra, vamo viver em paz. Pra que serve a porra da ONU, esse bando de engravatado do caralho. Não aguento mais, alguém tem que fazer alguma coisa, não dá mais. Porra, sempre só se dá bem um bando de sanguinário do caralho. Foda-se então. Mete bala em todo mundo então. Pega George Bush, traficante, o caralho a quatro bota tudo no paredão e mete bala. É justo, pronto e acabou. Destrói todas as armas depois e tá feito. Chega! Sei lá, instaura uma ditadura, prende todo mundo, mete bala e pronto! Acabou. E vamo viver em paz! E vamo viver em paz !Vamo viver em paz!

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Seria Sonho

"Sonho de Poeta", de Tchalé Figueira
"Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura porque não são sonhos."
(Álvaro de Campos)

Era noite. Fazia frio e eu estava de chinelos, embora o resto do corpo estivesse bem agasalhado. O vento gelado soprava mas só aos meus pés incomodava, torturando meu mindinho. Eu voltava com um copo quente de café com leite na mão, enquanto explicava minhas grandes ideias a minha amiga que me acompanhava. Foi quando o vi. Estirado no chão na frente da entrada do metro, uma estranha forma não se movia. O percebi. E percebi que todos a minha volta também o percebiam. Não modificavam o ritmo de seus passos, embora desviassem brevemente de seus trajetos pré-concebidos. Foquei meu olhar em seu diafragma, e depois em seu peito, esquadrinhando seu corpo a procura de vida: Estaria ele morto? Tentei diminuir meu andar, mas o olhar de minha amiga era inquisitivo “O que se há de fazer?!”. Continuei andando e logo apenas o via com minha visão periférica, até somente enxergar as rodas de jovens artistas conversando. Mas não consegui socializar. O que era - vejam o que era e não quem – aquela figura a frente da entrada do metro? Não sabia o que sentir. Vergonha por me importar? Raiva por não parar? Ódio ou tristeza por sentir pena, por não saber o que fazer? Curiosidade pelo sem sentido? Crescido em uma grande metrópole tenho meus nervos de aço, meus olhos filtram a poluída paisagem urbana de postes, fios, placas, pessoas jogadas no chão, lixo, carros estacionados, etc, mas há certas vezes que meu corpo inteiro se contorce. O que aquele o homem fazia ali? E se ele estivesse morrendo naquele exato momento? Não. Não seria possível que ele morresse ali na frente de todos sem que ninguém o acudisse. Ou seria? Prefiro pensar que ele estivesse protestando contra as graves falhas do sistema politico, ou que ele estivesse consciente que o mundo é uma grande convenção entre olhares, e se o mundo tal como ele enxerga só existe para si, talvez parando totalmente pudesse parar o turbilhonante frigorífico da vida. Talvez pensasse que ao não mover seu corpo toda sua história massacrante deixaria de existir, e se assim o fizesse por tempo suficiente o mundo inteiro se reconstruiria mais tragável. É claro que não. Ele estava lá. E eu não tinha mínima ideia do porque. Me afastei das risadas e voltei para saber dele. A essa altura três seguranças do metro já estavam a sua volta, e ele continuava estático. Riam constrangidamente por não saber o que fazer. Seus empregos exigiam que o retirassem dali, mas o homem não esboçava reação. Estava vivo – Sim! Estava Vivo! - mas não se mexia. Tentaram o levantar sem sucesso. Decidiram então, sem se falar, arrasta-lo dali , e o erguendo pelos braços e pernas, o levaram para a escura e suja área ao lado da entrada do metro, o apoiando no muro da estação, sem ele reagisse de qualquer forma. O mundo então se reconstruiu sem se dar conta do que havia passado. As pessoas não mais precisavam modificar sua rota; os seguranças voltaram a seus postos e eu , sangrando, voltei para minha aula com minha consciência já coagulada.

Um post rápido

Foi anunciado hoje o vencedor do nobel da paz: Obama. Porque? Vejamos: por propor reduzir o armamento nuclear, ao invés de extirguir. Me parece que a obamania ainda afeta a mentes dos jurados. Não que eu goste tanto assim do prêmio Nobel, que já cometeu diversas injustiças, mas assim já é demais. Obama assume a presidência vendendo mudança, continua a manter duas guerras, controla um arsenal bélico capaz de destruir a terra, não reduz os gastos militares e ainda leva o Nobel da paz...


Pois é Orwell o ministério da guerra cuida da paz.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Esta velha angústia

Estou, juntamente com minha classe no teatro, trabalhando poesias do Álvaro de Campos em nossa aula de voz. Hoje minha amiga declamou este. Há quanto tempo não o ouvia! E ele sempre assume outros sentidos que me pegam em pontos fracos. É sem dúvida um dos meus poemas preferidos.



Esta velha angústia,
Esta angústia que trago há séculos em mim,
Transbordou da vasilha,
Em lágrimas, em grandes imaginações,
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.

Transbordou.
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas não: é este estar entre,
Este quase,
Este poder ser que...,
Isto.

Um internado num manicômio é, ao menos, alguém,
Eu sou um internado num manicômio sem manicômio.
Estou doido a frio,
Estou lúcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura
Porque não são sonhos.
Estou assim...

Pobre velha casa da minha infância perdida!
Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que é do teu menino? Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu teto provinciano?
Está maluco.
Quem de quem fui? Está maluco. Hoje é quem eu sou.

Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!
Por exemplo, por aquele manipanso
Que havia em casa, lá nessa, trazido de África.
Era feiíssimo, era grotesco,
Mas havia nele a divindade de tudo em que se crê.
Se eu pudesse crer num manipanso qualquer —
Júpiter, Jeová, a Humanidade —
Qualquer serviria,
Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?

Estala, coração de vidro pintado!

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Boa Noite

Noite Estrelada - Van Gogh
" Fantasio sobre começar de novo e eliminar o rótulo de mala que trago pendurado em mim..."
" Há três coisas principais que fazem de mim uma mala:
Nunca retorno telefonemas.
Sou falsamente modesta.

Carrego uma carga desproporcional de culpa em relação a essas duas coisas, o que me torna uma companhia bem desagradável. Não seria tão difícil telefonar de volta e ser mais genuinamente modesta, mas é tarde demais para esses amigos. Eles não seriam capazes de ver que não sou mais uma mala..."

" ...então não haverá redenção. Essa pessoa lamenta o fato de ter arruinado sua única chance de ser amada por todos; quando essa pessoa sobe na cama, o peso dessa tragédia parece se abater sobre o peito dessa pessoa..."

" Essa pessoa suspira. Os olhos dessa pessoa começam a se fechar, essa pessoa dorme."


(Ao menos nos contos da Miranda July)
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domingo, 4 de outubro de 2009

Luto

Me afastei um pouco do blog com o turbilhão nefasto do meu incosciente atrapalhando minha vida. Mas volto a postar. Infelizmente não por uma causa muito feliz. Morreu hoje aos 74 anos a maravilhosa Mercedes Sosa, em decorrência de complicações renais e respiratórias. Muita falta nos fará, mas na tentativa de não ficar triste e honrar sua memória com a alegria que ela nos presenteou, coloco abaixo este hino a vida, imortalizado na sua grandiosa voz.

Mercedes Sosa - Gracias a la vida