Prof.ª Maria Luiza Redentora:

"...Mesmo que para isso tenha que dar minha cara a tapa, e lançar-me na guerra sem armadura,
vou peitar isso tudo mesmo que fique aqui só e insegura..."

domingo, 25 de outubro de 2009

Amor — pois que é palavra essencial

"O beijo - Gustav Klimt"


Amor — pois que é palavra essencial
comece esta canção e toda a envolva.
Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,
reúna alma e desejo, membro de vulva.

Quem ousará dizer que ele é só alma?
Quem não sente no corpo a alma expandir-se
até desabrochar em puro grito
de orgasmo, num instante de infinito?

O corpo noutro corpo entrelaçado,
fundido, dissolvido, volta à origem
dos seres, que Platão viu completados:
é um, perfeito em dois; são dois em um.

Integração na cama ou já no cosmo?
Onde termina o quarto e chega aos astros?
Que força em nossos flancos nos transporta
a essa extrema região, etérea, eterna?

Ao delicioso toque do clitóris,
já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram.

Vai a penetração rompendo nuvens
e devassando sóis tão fulgurantes
que nunca a vista humana os suportara,
mas, varado de luz, o coito segue.

E prossegue e se espraia de tal sorte
que, além de nós, além da própria vida,
como activa abstracção que se faz carne,
a ideia de gozar está gozando.

E num sofrer de gozo entre palavras,
menos que isto, sons, arquejos, ais,
um só espasmo em nós atinge o clímax:
é quando o amor morre de amor, divino.

Quantas vezes morremos um no outro,
no húmido subterrâneo da vagina,
nessa morte mais suave do que o sono:
a pausa dos sentidos, satisfeita.

Então a paz se instaura. A paz dos deuses,
estendidos na cama, quais estátuas
vestidas de suor, agradecendo
o que a um deus acrescenta o amor terrestre.

"Carlos Drummond de Andrade - em o Amor Natural"

Um comentário:

  1. "E prossegue e se espraia de tal sorte
    que, além de nós, além da própria vida,
    como activa abstracção que se faz carne,
    a ideia de gozar está gozando."


    ...essa proposição de que a idéia se mostra efetivando e efetivada em si, a idéia -- que é uma abstração do impulso louco e cego por detrás das coisas e da gente, "além da própria vida", para fora do princípio de razão... não dá pra ser mais schopenhaueriano que isso ;)

    Drummond expande as coisas, infla-as com uma luz muito antiga, anterior à revolução neolítica, anterior mesmo ao homem, quando a consciência era mais difusa, menos diferenciada e especializada, mas que sobrevive em nós como um formigamento. Com que sede não buscamos congelar esse formigamento num instante duradouro?, sede essa nunca saciada, pois ele nunca se deixa confinar na gaiola do tempo, é sempre fugaz -- e tanto mais real quanto mais inapreensível...

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